sexta-feira, 21 de maio de 2010

mais um pouco mas ainda tosco

Sim eu sei. Já passou mt tempo. E este post nem sequer é para recuperar o tempo perdido...mta coisa se passou...tanta coisa que nem sei explicar. Mas a pedido de algumas pessoas ficam mais umas linhas da minha ultima obra. Ainda está mt tosco para o meu gosto e algumas coisas estão a ser alteradas mas para que saibam que nunca me esqueço das pessoas que me deram apoio para continuar a escrever fica aqui mais um cheirinho. o texto está novamente do início porque sofreu alterações

obrigada a todos

Encontro-me aqui e pergunto porquê. Ao olhar para este buraco cavado numa terra que não conheço pergunto porque é que não respeitam os desejos das pessoas. Quem são estas pessoas? Quem é que chora lá atrás que nem sequer conheço? Quem são estas pessoas? Quem são vocês? Porque é que estão aqui? Quem é que vos convidou? Eu não vos conheço! Não sei quem são….mas que aflição! Porque é que choram? Não chorem…eu estou aqui! Parem de chorar! Já disse. PAREM DE CHORAR!!! Mas porque é que não me ouvem…espera…porque é que está ali a minha mãe de luto…o meu pai…o meu irmão…o meu namorado…até a Ana veio…mas o que se passa…? Porque é que toda a gente fala de mim como se eu tivesse morrido…eu estou aqui. Não me vêem…não me ouvem…oh não…morri….mas como?! Não me lembro de nada. Mas o que se passa aqui?...mas porque é que ninguém me avisou que morri? Não devia de haver um serviço qualquer para me notificar que morri?!....sei lá, uma comissão de boas vindas, um portageiro qualquer ou uma simples mensagem a dizer, olá minha menina, acabou de morrer….temos pena. E agora o que faço?...esta história do céu e do inferno nunca foram muito claras na minha cabeça. Nem sei se acredito. Para onde vou? Há algum transporte para onde quer que seja? Vem alguém buscar-me ou a coisa da luz e temos de caminhar para ela sempre se verifica…mas que raio…não há manual de instruções?!

Tanta gente no meu funeral…mas espera lá. Eu sempre disse que não queria ser enterrada! Mas porque é que não respeitam os desejos das pessoas! Uma vida inteira a dizer que queria ser cremada e que não queria cerimónias religiosas nenhumas e pumbas….serviço completo….com direito a padre, enterro, lutos pesadíssimos e beatas da terra e tudo…mas porquê!?...que chatice de morte…

Mas afinal como é que morri? Será que ninguém me vai explicar e eu também não me vou lembrar? Será que é mesmo assim?...tanta pergunta e tão pouca resposta.

Espera lá. Vamos deixar acabar o funeral. Assim terei sossego para pensar e ver o que faço a seguir…Mas veio mesmo tanta gente…sempre pensei que quando morresse não viesse ninguém. Ou pelo menos nunca tanta gente. Coisa estranha. Será que todos os mortos assistem ao próprio funeral? Devem de se passar com o que vêem. Eheh. Não deixa de ter a sua ironia no meio disto tudo.

Ali está o Marco. Como gosto daquele homem. Está inconsolável…Marco estou aqui!! Não chores meu lindo…não me ouve…que desespero. Alguém que o console por favor…não suporto vê-lo assim. Mas não posso sair daqui. Não pode ser enquanto não perceber o que se passou comigo.

O funeral acabou. A multidão finalmente dispersa e regressa às suas vidas. Toda a gente se vai embora menos o Marco. Não o conseguem arrancar de lá. Marco vai te embora por favor. Não consigo pensar contigo aqui dessa maneira. Eu já vou ter contigo a casa…vai descansar por favor. Não te preocupes que eu estou bem…só morri, nada mais. Mas estou aqui contigo, e tu sabes disso. Será que se fizer muita força e me concentrar muito ele percebe?....nada…por muito que me esforce ele não entende.

Finalmente vai se embora…lá o conseguiram empurrar daqui para fora. Agora já me posso sentar aqui neste banquinho e por as ideias em ordem. Tenho de perceber o que se passou comigo. Não posso apanhar o transporte para onde quer que seja sem perceber como é que morri. Afinal eu nem estava doente! Também não me lembro de me ter suicidado….eu era feliz, não tinha grandes motivos para me matar.

Calma. Vamos lá pensar com calma. De que é que me lembro que fiz da ultima vez? A última coisa que me lembro foi de ir de férias. Junho. Decidi ir de férias sozinha porque me tinha chateado com o Marco por causa da maldita questão dos filhos. Ele quer…eu não…a velha história. Isto dura há 5 anos. Desde que nos conhecemos. Eu adoro crianças, mas as dos outros. Assim tenho o privilegio de devolver à precedência quando é altura de mudar a fralda ou quando começam a chorar desalmadamente…prefiro ser a tia porreira que dá presentes “muita” giros e que os leva para a discoteca quando chega a altura de desgraçar as crianças na noite. Tê-los nunca esteve nos planos. Sempre choquei por isso…quando tinha 18 anos e dizia isso na presença de adultos a resposta era sempre a mesma, “isso são parvoíces da juventude. Quanto cresceres mudas de ideias.”. Aos 22 anos continuava a dizer o mesmo e passaram a dizer-me “deixa chegar aos 25 anos e assentares ideias que logo mudas isso”. Os 25 passaram e as ideias ficaram as mesmas. Quando cheguei aos 30 anos e já estava junta com o Marco e continuava na mesma, começaram-se a franzir as testas e a levantar as sobrancelhas…a família hiper-conservadora dele não suportava a ideia de que o filho varão da família pseudo-aristocrata não continuasse a linhagem da família por causa de uma doida devassa que embirrou que não faria o seu papel. Da parte da minha família, sempre houve o desejo secreto que eu mudasse de ideias. Mas o clima de silêncio desaprovador sempre disse tudo.

A discussão de Junho foi mais uma vez por causa disso. A Ana está grávida de um tonto qualquer com quem se enrolou há uns tempos. Sabíamos perfeitamente que um dia isso ia acontecer. Na sua vida aquela mulher já teve mais homens do que eu tive cuecas…todos foram amados perdidamente por ela…segundo o que ela diz claro. Acho que sinceramente nunca amou nenhum. É impossível amar alguém quando não nos amamos a nós próprios. O anúncio da Dove é que diz tudo, se não gostar de mim quem gostará…Desde que a conheço sempre foi assim. Perde-se de amores por um João qualquer para descobrir depois que o rapaz só queria sexo, ou simplesmente só queria umas borlas no restaurante que ela tem…depois deprime, fica muito mal uns tempos (leia-se dias) e volta a apaixonar-se perdidamente pelo próximo que for atencioso e lhe der uns elogios bem metidos. Por muito que tente quebrar este ciclo nunca fui capaz. Agora desta vez excedeu-se.

Recordo-me perfeitamente da fatídica noite. Estava a dormir profundamente em casa. O Marco tinha saído com uns amigos e eu não me apetecia. Temos…ou melhor…tínhamos aquela política dos casais modernos de termos noites com os amigos e não levar os namorados atrás tipo cola que não despega. Essa tinha sido uma das noites e eu tinha escolhido ficar em casa a disfrutar do sofá e da televisão. Entretanto e depois de adormecer umas mil vezes a ver um filme já visto, lá fui para a cama. Acordei em sobressalto com a campainha da porta. Entre o furiosa e o aparvalhada lá desci as escadas e fui o caminho a pensar, “aquele sacana vai ouvir das boas…todas as vezes que ele sai pergunto se leva chaves, para depois não me acordar, diz-me sempre que sim e depois é sempre este filme. Lá tenho eu que me levantar porque o menino se esqueceu das chaves ou perdeu as ditas cujas….qualquer dia fica na rua…” e neste tom resmungão abri a porta, pronta para lhe dar um valente raspanete e fugir para a cama que chamava por mim incessantemente. Afinal era quinta-feira e no dia seguinte alguém tinha de ir trabalhar cedo…quando me preparava para começar a falar vejo a cara da Ana. Que raio! O que faz esta doida aqui a esta hora!

“Amiga, nem sonhas o que me aconteceu!” Era sempre assim que ela começava as histórias mirabolantes dela. Depois de me refazer do susto de a ver ali e de olhar para o relógio para me aperceber que era quase de madrugada e que o Marco ainda não tinha chegado, levei a Ana para dentro se sentamo-nos no sofá…entre bocejos meus e muito esfreganço nos olhos, lá fui acordando e comecei a ouvir mais uma história. Chega a uma altura que já parecem todas iguais, mas esta era diferente. “amiga estava a fechar o restaurante quando me apercebo que uma das mesas ainda tinha clientes…e que clientes! Dois homens lindos de morrer, holandeses, empresários, daqueles todos jeitosos com o cabelo com gel…daqueles que eu adoro…hihiihhihihi…queriam mais um garrafa de vinho. Ora nunca recuso dinheiro em caixa por isso mandei os empregados embora, fechei a porta e lá servi a garrafa aos holandeses. Passado uns minutos convidaram-me para me juntar a eles. Não consegui recusar…seria até má educação fazê-lo, não achas? Bem, conversa puxa conversa e quando dei por mim estava na disco do costume a dançar com um deles…do outro perdi o rumo. Depois disso…bem tu já imaginas a história…”

Nada disto era novidade. Já tinha visto este filme milhões de vezes. “O problema vem agora amiga. Fiz uma asneira enorme! Com a pressa esquecemo-nos do preservativo. O que é que eu faço!?”

Caiu-me tudo. Como é que uma mulher actual, diferenciada, inteligente e vivida, com tantos amigos que já faleceram infectados com o VIH faz uma palermice destas! Passei-me. Depois de 30 segundos sem reacção mandei-lhe um berro que deve ter acordado a vizinhança toda. Mas tu és doida mulher! Tu sabes lá quem era o homem ou com quem andou enrolado antes!!! Que estupidez monstra! E agora!?...Depois percebi porque é que aquela criatura estava ali espetada à minha frente. Queria que eu arranjasse maneira de ser testada logo para tudo e mais alguma coisa. Que de alguma maneira fizesse o milagre de a descansar imediatamente. Eu tinha a ingrata tarefa de lhe dizer que as coisas não funcionam assim. Que ela teria de esperar. Só muito mais tarde me apercebi que o meu erro foi maior que o dela.

Desde miúdas que tomávamos a pílula. Partilhávamos ginecologistas, por isso sempre soubemos desses assuntos uma da outra…coisas de adolescentes. Nunca me passou pela cabeça naquela noite perguntar-lhe se estava a tomar a pílula. Mesmo que lhe tivesse perguntado teria dito que sim. Naquela cabeça de pássaro, falhar tomas ou aldrabar aquilo tudo não fazia mal nenhum…desde que no fim da caixa desse conta certa. Mal sabia ela da asneira que tinha feito. Só começamos a perceber umas semanas depois quando o período não apareceu. O teste fez o resto. E de repente era madrinha de uma criança que ainda não tinha nascido. No meio daquilo tudo ficamos sem saber o nome do pai. Quem era o que fazia…nada…apenas o nome próprio e nem sabemos se era o verdadeiro, de um holandês lindo que levou a Ana às nuvens e quando desceu trouxe um presente mais ou menos envenenado.

Foi depois de se saber e confirmar a gravidez da Ana que se começou a fechar o cerco sobre mim. Toda a gente aproveitou a deixa para opinar sobre a minha vida e sobre a minha decisão. Até o Marco que parecia conformado com a história pareceu ganhar novo fôlego no assunto. Começaram as discussões e pressões. Claro que teimosa como sou quanto mais me impingem um produto menos o quero. Isto não era excepção.

Recordo-me perfeitamente que foi no dia em que a Ana foi fazer a ecografia para saber o sexo da criança que tudo rebentou. Acompanhei-a nesse momento como sempre a acompanhei em todos os grandes momentos da sua vida. Ela não tem família próximo e a que tem longe também não se interessa nada por ela e pelas suas loucuras. Então acolhemo-la como se fosse da nossa família. Sem família presente e sem pai da criança tornei-me eu em tudo isso.

Nessa noite quando cheguei a casa do meu turno dei a boa notícia ao Marco. Era um rapaz. Estava tudo bem com a mãe e com o futuro Mário. O que foi uma alegria enorme dos dois passou a ser uma discussão como nunca tínhamos tido. Os pormenores nem vale a pena lembrar…sei que nessa noite eu dormi na cama e ele no sofá. No dia seguinte não trocámos palavras e na semana seguinte eu decidi tirar uns dias de férias e ir dar uma volta por aí. Ele não se opôs. Aliás, acho que intimamente até deve ter agradecido essa minha decisão. Precisávamos os dois de respirar e repensar algumas coisas ditas.

Não anunciei a ninguém que ia viajar. Deixei uma mensagem no voicemail da família a dizer que me ausentava mas nem mencionei local ou datas de partida e/ou chegada. Sempre fui assim. Nunca achei que tinha de dar satisfações a ninguém a partir do momento que fosse independente. Sempre levei as pessoas à loucura com esta minha independência desmedida e meio louca. Quantas vezes não pensavam eles que estava eu em casa descansada e eu por essa Europa fora de mochila às costas perdida algures numa montanha ou numa cidade longínqua.

Recordo-me do primeiro destino. Dinamarca. Quando cheguei ao aeroporto apanhei o primeiro voo que tinha lugares e que não necessitava de visto de entrada. A necessidade de fugir era maior do que a de ter juízo e marcar hotéis e programar viagens como as pessoas ditas normais. Uma mochila, um passaporte, um cartão de crédito, um plafon de bastantes libras economizadas durante muitos meses a contar tostões, uma data de partida, uma data de chegada que não existia de forma fixa. Apesar de ter tirado os dias no trabalho estava disposta a largar tudo se tal fosse necessário para ter algo que não tinha tido desde há muito tempo, paz de espírito. Parecia-me radical e extremo simplesmente perder-me neste devaneio de fugir e não olhar para trás mas na minha lógica, naquele momento, tudo fazia perfeito sentido e se fosse necessário continuar ad eternum pelo sentido que tinha perdido então tal seria feito.

No aeroporto de Heathrow não houve despedidas, não houve abraços, beijos ou desejos de boa viagem. Não houve o calor da despedida, os votos de bom regresso com ainda mais beijos e abraços e até quem sabe um daqueles papelinhos engraçados com o nosso nome “Miss Paula Teixeira”. Sempre quis ter uma coisa dessas. Um dia, quando aterrasse num sítio qualquer. Um rapaz jeitoso bem vestido e bem penteado com um papel com o meu nome e que me levasse num daqueles mini-bus dos resorts privados para um sítio idílico onde tudo estivesse ao meu dispor. Apesar de já ter feito muita viagem esta combinação de mordomias nunca surgiu. Suponho que atendendo ao facto de já ter morrido duvido que venha a tê-las, a não ser que haja serviço de mini-bus para onde quer que vá.

Depois do check in e de ter deixado as despedidas dos outros para trás, restavam apenas postos de controlo, pessoas desconhecidas, e aviões cheios de pessoas de passagem para todo o mundo de ida ou de regresso, com caras ensonadas e cabelos despenteados de tentarem dormir nos malditos aviões que parece que cada vez são mais pequenos e desconfortáveis para caber mais um. Uma amiga sempre disse que os aviões são como o metro, cabe sempre mais um. Mesmo que para isso se tenha de encurtar o espaço entre bancos e comprometer o conforto dos passageiros.

Lembro-me de ao passar a fronteira no aeroporto e quando dei por mim na zona internacional, pensei “isto é o princípio do fim”. De que fim é que não imaginava. Ao percorrer os corredores e ao olhar para as lojas imensas daquele mundo que é o aeroporto deixei de pensar. Todos os pensamentos que tinha e que não me deixavam dormir desapareceram e dei por mim simplesmente a olhar. A ausência de pensamento deixou-me reconfortada e pela primeira vez desde há muito tempo enchi o peito de ar, fechei os olhos e disse baixinho, “isto tem de ser feito, não posso continuar aqui. Está na hora de fugir”.

Fugir. Sempre fui perita nisso. Uma vida de fuga para a frente. Correr à frente do comboio da vida para nunca ser atropelada. Fugir das emoções, das pressões, dos confrontos, da irracionalidade das relações que só exigem de forma unidireccional. No fim de tudo fugir de mim própria. Quando se passa uma vida inteira perfeitamente sozinha numa multidão há coisas impossíveis de resolver ou encarar. Que se faz então? Eu aprendi que fugir resulta tão bem como outra coisa qualquer. O pior sempre foi quando tropeçamos numa pedra qualquer e o comboio nos atropela. Aí somos obrigados a lamber as feridas, levantar e começar a correr outra vez cheios de nódoas negras…e isso dói como tudo. Ganhamos velocidade e nem nos apercebemos da estupidez que é passar ao lado das deliciosas emoções de amar e ser amado, de odiar e ser odiado, de baixar barreiras e permitir ser magoado. Passamos a vida a tentar ser um computador estranho e perfeitamente eficaz que processa informação numa velocidade assustadora e que simplesmente operacionaliza de uma forma racional, ponderada e perfeitamente controlada.

Controlada. A palavra perfeita para mim. O controlo absoluto sobre o que nos rodeia. Sobre nós. Sobre os nossos pensamentos. Sobretudo sobre as nossas emoções. Esses bichinhos estranhos que nos levam a tomar decisões irreflectidas e ao fim ao cabo perfeitamente estúpidas. Controlar as emoções é o desafio derradeiro. Conseguir controlar o que mostramos ao mundo e a forma como o mostramos. A solução perfeita para controlarmos as nossas relações com os outros. É aquela teoria que uma colega na faculdade uma vez acerca de mim, sou tipo um camião TIR. Por fora vê-se uma estrutura sólida e composta mas por dentro nunca sabemos se tem carga ou se vem vazio. Nunca sabemos quando precisa de despejar a carga porque simplesmente a estrutura não deixa transparecer cá para fora. Parece frio?...não. Apenas uma forma de estar. Não é objectivo enganar ninguém, nem tentar mostrar alguém que não sou. Apenas uma tentativa muito eficaz de reduzir a probabilidade de “bater com os cornos” quando me relaciono com alguém, quer seja de forma amorosa ou uma amizade. É apenas algo que pode ajudar o meu método de observação da raça humana tal como ela é. E sem a observação e análise eu não sou mesmo nada. Juntem todas as pessoas que me conhecem e saberão um décimo daquilo que sou. Digo isto com orgulho muitas das vezes. Algumas com muita tristeza…entrar num local e ser perfeitamente capaz de esconder e controlar tudo o que digo, penso, sinto e transpareço parece doentio e perverso. Mas é o que me mantém viva e perfeitamente funcional. As relações que construo não são falsas. Quando gosto de uma pessoa gosto mesmo e se tudo correr como previsto será uma amizade para a vida. Quando me apaixono (o que só aconteceu duas vezes), apaixono-me mesmo e as emoções estão lá. Torna-se tudo mais difícil de controlar e às vezes rebento mesmo um pouco na privacidade do meu lar, mas tudo tem de ter a sua quota de racionalidade senão simplesmente não computo.

Depois questiono-me, como é que uma pessoa como eu, controlada e “tipo Spock” faz tanta loucura?

Levanto-me e vou-me embora. Faço o que quero e sobra-me tempo. Não sou uma pessoa convencional de forma alguma. Mas é diferente. Nada disso envolve emoções. São apenas actos. Atirar-me de um avião, desaparecer, aprender uma língua nova, comprar uma casa. São apenas coisas. Pouco interessam para tudo o resto. Valem o que valem e nada mais. Se não tiver uma tenho nenhuma. Se tiver muitas então tenho e se as perder também me adapto. Tudo em relação às “coisas” eu sou extremamente desprendida e desligada. Gosto de as ter mas se não as tiver nem me lembro de as obter. É um misto de comodismo com abstracção de tudo o que é material.

Já no avião mandei uma sms à Ana. O conteúdo era mínimo. “Amanhã não podemos almoçar. Depois dou notícias quando voltar.” Nunca me passou pela cabeça dizer-lhe mais qualquer coisa. E sei que ela também não me iria cobrar isso. Sempre foi assim. A Ana ligada à corrente 24h por dia, 7 dias por semana com devaneios e planeamentos absolutamente desprovidos de sentido prático ou racionalidade. Eu simplesmente a funcionar em código binário. Para mim tudo é preto ou branco. O cinzento incomoda-me porque não é necessariamente racional. Nem sempre tem lógica e entendimento e isso comigo raramente funciona. Num mundo em que os sentimentos são tão importantes dou por mim a sentir-me uma Spock. Para quem seguia o Star Trek deve-se lembrar certamente daquele senhor do planeta Vulcano que para ele só a lógica imperava e o que não tinha lógica simplesmente era descartado. Eu funciono 90% assim. Quando não funciono então não estou em mim e preciso de uma chapada e um copo de água…juntas eu e a Ana deveríamos ser o ser humano quase quase ideal. Uma só coração, a outra só cabeça. Uma tagarela destravada e a outra silenciosa. Foi nesse silêncio que me refugiei uma vida inteira de pancada emocional e negligência educativa.